Preciso falar sobre arte.
A primeira vez que eu publiquei um conteúdo na internet discutindo uma obra de arte foi há 11 anos. Naquela época, começava a fervilhar na internet diversos canais, podcasts e sites discutindo a grande “cultura nerd”. E claro, minha geração foi a primeira impactada por tudo isso desde a pré-adolescência. E como um grande sintoma de uma coisa maior, o audiovisual me pegou de jeito.
Óbvio, olhando em retrospecto hoje, fui uma criança no início dos anos 2000 criada em frente à televisão, mas com pais que sempre fizeram questão de me levar ao cinema. Também sempre fizeram questão de me incentivar a ler, escrever, desenhar, ouvir e tocar música. Exercitar a criatividade e a livre expressão.
Então, naquele momento era mais do que óbvio que eu me jogaria naquele tornado de produção de conteúdo pra falar sobre as coisas que eu gostava. Era o que eu mais fazia com meus amigos todos os dias em que nos encontrávamos na escola. Reuni alguns deles e gravamos um vídeo sobre O Hobbit. Tudo o que eu sabia era um básico de edição de vídeo. Não entendia de roteiro e muito menos de direção. De áudio? Nem pensei nisso. Era uma câmera digital amadora parada num móvel filmando 4 moleques de 14 anos falando sobre um livro que eles gostavam e que estava em alta na época, justamente devido aos filmes.
De lá pra cá, já tive inúmeros projetos. Podcasts, canal no youtube, canal no tiktok, o que você imaginar. O fato é que manter projetos com outras pessoas - ou mesmo sozinho - que demandam um certo nível de produção é bem complicado. Precisa de tempo, dinheiro e dedicação. E a maioria das vezes, eu nunca consegui ter nenhuma dessas coisas. “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” pode parecer um grande lema de DIY, mas claramente desconsidera todos esses fatores.
1. Texto? Em 2023?
Eu tenho muito a dizer pro mundo sobre minhas experiências artísticas. Porra, eu penso o tempo inteiro sobre isso. Talvez uma das características que meus amigos mais reconheçam em mim são minhas referências culturais. Mas nem sempre eu consigo parar pra bater um papo mais longo sobre as coisas que eu gosto e não tenho tempo pra produzir um podcast por agora. Então, por que não escrever a respeito? Preciso escoar esses sentimentos e pensamentos pra algum lugar. E que forma melhor de destrinchar tanta coisa, senão através de palavras?
2. Se preparem para recomendações intensas
Nesse caso, pretendo trazer por aqui reflexões e recomendações de filmes, livros, quadrinhos, discos, exposições, mostras, shows, videogames e o que mais der na telha. E olha, se eu fosse vocês eu continuaria me lendo. Minhas recomendações são muito boas! Também pretendo escrever bastante, é uma coisa que não faço há muito tempo e estou empolgado para retomar.
3. Pra ser honesto…
Minha intensão é soltar essa newsletter 1x por semana. Às segundas-feiras? Às terças? Decidirei isso logo assim que publicar. [essa é uma inserção que estou fazendo no momento da publicação, decidi publicar segunda] Mas o fato é que é um desafio e uma meta que estou colocando para mim mesmo. Não faço a menor ideia se conseguirei cumprir, afinal começar projetos e não continuar é comigo mesmo. De qualquer forma, já coloquei um alarme pra me lembrar de escrever - e espero que o Estevão do futuro acate minhas ordens. Mas ó, se você se interessou, assina aqui:
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4. Não vou embora sem deixar alguma coisa
Passadas as introduções, gostaria de entrar no assunto dessa primeira semana. Há pouco mais de um mês, fui visitar um amigo que não via a tempos. 3 anos, pra ser mais exato. Tínhamos muito a conversar e nessas horas que passamos juntos fizemos uma das coisas que mais gostávamos de fazer. Botar pra tocar um disco. E ele me mostrou a trilha sonora de Duna, do David Lynch. Ele me disse que tinha uma versão muito boa de Space Oddity, do David Bowie e me provocou: “Vê se você reconhece isso aí”.
Aos 2 minutos e 8 segundos ouço uma frase de guitarra, que já ouvi tantas vezes. “É do… da… daquela música!” Ele me olha com uma cara de você tá quase fazendo as sinapses certas. Porra. Claro. É do MF DOOM.
Não sei se foi o mix de emoções do reencontro, se foi meu interesse em retomar a discografia do DOOM nos últimos meses, se foi meu interesse geral por Hip Hop ou se foi por essa música ser um BANGER, mas tenho estado razoavelmente obcecado por ela nas últimas semanas. Aliás, não só por ela, mas pelo MM..FOOD inteiro. Eu já vinha ouvindo Vaudeville Villain e JJ DOOM com grande frequência desde o ano passado, mas essa visita ao Renato reativou o MM..FOOD de um jeito que me inspirou a escrever sobre o DOOM.
Meu primeiro contato com Daniel Dumile foi há quase 20 anos. Eu tinha 8 anos! Meu amiguinho da escola, André, era extremamente obcecado por Gorillaz. Honestamente, eu não faço a menor ideia de como ele descobriu a banda. Não sei se os cds vendiam muito na época, muito menos se passava muito na MTV - eu só fui assistir MTV quando tava acabando, e mesmo assim só um ou outro programa de humor. Mas em suma, André sempre trazia seu mp4 pra escola, recheado de músicas do Gorillaz. Não demorou pra eu também ficar obcecado por eles. Era uma banda de desenho animado e as músicas eram muito diferentes de tudo o que eu já tinha ouvido!
MF DOOM em um de seus concertos.
Até que no meu aniversário, ele me deu um cd que ele gravou com os dois discos do Gorillaz da época + algumas outras músicas que ele gostava. Não demorou até meu pai me arrumar um dvd pirata com todos os clipes do Gorillaz - incluindo uma cópia do início ao fim do dvd de Demon Days -, que ele provavelmente baixou. Essa foi minha primeira introdução ao Hip Hop de verdade. Quer dizer, Gorillaz é uma banda que abrange tanta coisa… Trip Hop, Dub, Eletrônica, Rock - e claro, Hip Hop. Recheados de participações de rappers da cena underground e alternativa, esses primeiros discos do Gorillaz são uma experimentação atrás da outra a cada faixa. November Has Come, com participação do MF DOOM, era o maior exemplo disso pra mim. Eu não entendia uma palavra de inglês, mas me maravilhava com aquele flow e aquelas rimas que vão se encaixando uma atrás da outra como um jogo de ligue os pontos.
E pra uma criança de 8 anos entrar em contato com tanta variação e experimentação musical é um portal pra um universo sonoro completamente novo. E poderia ter surtido muito efeito, se eu não tivesse virado um adolescente roqueiro. Claro, meu pai sempre foi roqueiro. Era mais do que natural que eu fosse ouvir as coisas que ele ouvia. Mas isso me tirou um tempo precioso de conhecer coisas diferentes.
Teve um Daft Punk aqui, um Justice ali, mais Gorillaz, minha redescoberta da MPB e tal. Mas o Hip Hop chegou muito tarde na minha vida. Curiosamente, foi um processo parecido com o de começar a ouvir Jazz. Não fazia a menor ideia de onde começar. Conhecia todos os subgêneros possíveis de rock, mas nunca li um “A” sobre outros gêneros musicais. Pedi recomendações a alguns amigos e a partir dali consegui começar a pesquisar e descobrir outras coisas que eu curtia mais. Mas uma recomendação que todos os meus amigos me deram foi “escute MF DOOM”. Eu já tinha visto a capa do MM..FOOD, mas nunca tive curiosidade de ouvir até receber essas recomendações. Uma recomendação tão unânime quanto “escute Miles Davis” ao começar a ouvir Jazz.
A capa do disco MM.. FOOD (2004).
E curtir a música do DOOM foi um processo. Acho que uma coisa que preciso confessar é que não presto tanta atenção em letras de música. Claro, muitas vezes letras de música chamam a minha atenção, mas os aspectos instrumentais, os arranjos, frases, motivos, viradas, linhas são tão mais interessantes pra mim, que a voz na maioria das vezes soa como mais um instrumento ali no meio. E eu escuto Hip Hop muito assim. E mesma a rima hipnótica do DOOM muitas vezes se perde no meio de seus beats igualmente fascinantes. De qualquer maneira, achei interessante. Mas foi preciso ouvir e reouvir muitas vezes pra entender a música. Não entender as letras - como eu disse, muitas delas se perdem. Mas entender como ele constrói as harmonias, como ele trabalha os samples, seu senso de humor, a personalidade de supervilão, os trechos de desenho animado e filmes.
Na adolescência eu costumava pensar que DJ não era músico. Mas Daniel Dumile era um gênio das pickups. Aliás, ele era um gênio em todos os aspectos. Era um gênio do marketing, com sua persona utilizando uma máscara inspirada no Dr. Doom, personagem de quadrinhos da Marvel. Era um gênio da lírica, afinal, mesmo não sendo o maior entusiasta de letras de música, não canso de elogiá-la aqui. Raramente dava entrevistas, nunca aparecia sem máscara, lançava os discos, fazia os shows - às vezes mandava sósias em seu lugar. Era um artista underground que fazia questão de ser underground. Ele estava sempre preocupado em experimentar coisas novas e utilizar a mídia para provar um ponto.
MM..FOOD, o disco que me inspirou a escrever esse texto, é meio que um álbum conceitual sobre comida. Todas as músicas tem nome de uma comida ou bebida diferente e traz esquetes, trechos de filme, desenhos animados antigos, remixes de músicas, rimas descontroladas e um senso de humor extremamente absurdo do início ao fim. Muitas músicas que tá vontade de sair na rua dançando sozinho no fone de ouvido. E muita batida esquisita. Essa é minha recomendação da semana.
5. Por que Outras Vidas?
Originalmente eu tinha planejado que essa primeira edição cobrisse meu fascínio pelo DOOM e o motivo de a newsletter se chamar Outras Vidas, mas esse texto ficou tão grande que vou deixar pra próxima edição como um gostinho de quero mais. Até semana que vem! Hehehe.
Vou até ouvir dnv